Consideradas como um dos ramos da Ciência, as Ciências Forenses se caracterizam por serem um conjunto de princípios e técnicas que permitem a reconstrução de evidências, a identificação de autores, a recuperação de circunstâncias e a reprodução de contextos. Através de análise do material obtido por profissionais de tais ciências, investigadores e profissionais da segurança e da justiça podem formular hipóteses amparadas por metodologias científicas de forma a solucionarem crimes, facultando uma ação da Justiça de maneira mais isenta, apurada e com credibilidade. Seus métodos qualificadores se estabelecem, de forma geral, por fases de coleta, estudo e interpretação de vestígios do fato criminoso, produzindo, a partir delas, provas para instrução do processo penal. Ou seja, é função das Ciências Forenses a produção de provas de inegável caráter científico, visando a obtenção de informações úteis para uma disputa judicial.
Normalmente consideradas dentro de um repertório clássico das ciências naturais, como, por exemplo, a química, a medicina legal, a física e a biologia, as Ciências Forenses têm trazido para seu bojo outras ciências, permitindo a ampliação das gamas de evidências a serem analisadas e facultando um espectro maior de hipóteses a serem formuladas e testadas. Embora a crença geral seja a de que não existe crime perfeito, a crescente sofisticação de técnicas de investigação e perícia criminal acaba por promover nos criminosos tentativas de dificultar a detecção da autoria de seus delitos, desafiando, assim, cientistas forenses a aperfeiçoarem suas técnicas e a incluírem outras ciências no rol de seus recursos investigativos. Surge, a partir daí, a inclusão no campo forense de ciências como a computação, a psicologia, a linguística, entre outras.
Esta última, a Linguística Forense, encontrou adesão recente na área da investigação criminal, sendo ainda pouco disseminada e quase raramente utilizada no Brasil. Esta surge como um ramo da Linguística Aplicada, em especial da Linguística Sistêmico-Funcional. Esta, desenvolvida por Michael Halliday nos anos 50, visa identificar os componentes funcionais do significado nas línguas, explicando as implicações comunicativas dentro de um sistema de escolhas potenciais que não são motivadas arbitrariamente. Ou seja, as escolhas comunicativas de um indivíduo se amparam em tipos fundamentais de significados como: componentes reflexivos, que buscam compreender o ambiente; componentes ativos, que buscam interferir no ambiente e componentes contextuais, que se adequam aos demais. Desta forma, o indivíduo formula suas escolhas comunicativas tendo em vista seus contextos e a forma com a qual se relaciona com o ambiente, gerando, então, um padrão de linguagem que permite não apenas ser identificado em suas singularidades, mas, facultando, também, a apreensão de intenções, omissões, fraudes etc. Assim sendo, a Linguística Forense se utiliza dos métodos e conceitos da Linguística Aplicada, e de forma específica da Análise do Discurso, em contextos legais, para produzir evidências que auxiliem na investigação criminal. Esta se apresenta em três dimensões distintas: o estudo da linguagem escrita da lei, o estudo das interações no processo legal, ou seja, da chamada do serviço de emergência à sentença e a produção de evidências linguísticas (c.f.: obras de Malcolm Coulthard). Partindo-se destas três dimensões, o linguista forense é capaz de trabalhar em uma vasta gama de suportes, sejam eles cartas de suicídio, textos acadêmicos com suspeita de plágio, ameaças, manifestos, depoimentos e testemunhos. Tais materiais fornecem uma ampla variedade de indícios que permitem ao investigador perfilar criminosos, identificando elementos como gênero, idade, origem, classe social e nível de estudo; permitindo também que se depreendam elementos como marcas de omissão, fraude e intenções subjacentes nos suportes textuais (escritos ou não) que forem analisados.
Três casos se tornaram icônicos na Linguística Forense, atestando as potencialidades dela dentro da criminalística:
Em um dos casos que hoje é considerado como um dos primeiros exemplos do uso da Linguística Forense está a anulação póstuma da condenação de Derek Bentley, na Inglaterra. Condenado à morte por enforcamento, em 1953, após ter sido acusado de assassinar um policial durante uma tentativa de assalto, teve sua condenação anulada postumamente em 1993. Em meio a várias outras evidências reanalisadas, o linguista forense britânico Malcolm Coulthard provaria que o depoimento do acusado fora forjado por policiais, mostrando que a forma a qual Derek Bentley usava o advérbio “então” não correspondia ao encontrado nos depoimentos registrados no processo, mas, que este uso era o mesmo empregado por um dos policiais do caso em questão.
Entre os casos mais famosos estão o que levou à identificação, em 1995, da verdadeira identidade do Subcomandante Marcos, líder do Movimento Zapatista de Libertação Nacional, o mexicano Rafael Guillén. Seu idioleto muito característico, com marcas gramaticais, vocabulares e estilísticas muito próprias permitiram o perfilamento linguístico daquele líder político que inclusive o faria ser identificado como um pacifista, sendo este considerado um dos mais antigos casos de sucesso no uso da Linguística Forense para o perfilamento criminal nas Américas.
O terceiro caso de uso bem-sucedido da Linguística Forense, mais popular e exaustivamente abordado pelo cinema e pela mídia, trata-se da identificação do assassino em série Ted Kaczynski, conhecido como Unabomber. Ex-professor de matemática, ele assassinou 3 pessoas e feriu outras 23, realizando ataques com bombas como parte de sua campanha de terrorismo doméstico que visava atacar o desenvolvimento de novas tecnologias. Após uma das mais caras e longas investigações realizadas pelo FBI, o investigador criminal, perfilador e linguista forense James Fitzgerald, em 1996, encontrou evidências linguísticas no manifesto escrito por Kaczynski, que permitiram um melhor perfilamento do criminoso, o que conduziu à sua captura e condenação à prisão perpétua em 1998.
No Brasil, a utilização da Linguística Forense como ferramenta para a investigação criminal recai sobre uma série de dificuldades e desafios, entre elas a falta de instituições de ensino superior que a abordem como disciplina, promovendo uma carência de profissionais da área; e a predominância de um etnocentrismo anglófono na literatura sobre o tema, que não considera especificidades próprias da Língua Portuguesa e dificultam o trabalho do profissional falante do Português do Brasil. Como peça fundamental para o desenvolvimento e ampliação do uso da Linguística Forense no Brasil está a necessidade da tropicalização desta ciência, por meio de pesquisa científica dentro do campo das Ciências Forenses, trabalhando na produção de uma metodologia e de uma técnica que considerem os componentes funcionais de significação dentro da língua vernacular do Brasil. Por fim, cabem às instituições de ensino superior, em especial aos cursos de Ciências da Linguagem como Linguística e Letras, dentro de seu eixo primordial – pesquisa, ensino e extensão – promoverem a divulgação da Linguística Forense como ferramenta valiosa para a contribuição na ação da Justiça.